domingo, janeiro 07, 2024

Cada guerra

Cada guerra consigo enterra
uma lógica de funcionamento

Com a arma mais potente
vem a verdade mais forte

Cada morte é uma moeda
com dois lados de menção

Morreu como combatente
foi morto contra a convenção

Toda guerra termina
pelo modo como podia não ter começado

Grandes barrigas ao redor da mesa
e um acordo assinado

quinta-feira, dezembro 29, 2022

Dia do saio


Se é para o bem de todos, que me importa?,
ou para a felicidade geral da nação, não me interessa,
digam ao povo que saio

Saio pelo voto perdido
com a barriga cheia
e a cara lustrada

Saio com aposentadoria gorducha
e o raio que o parta
pra se virar com a lambança que deixei

Vou-me embora com ego magoado
uma canela marcada
e uma cicatriz sigilosa

Deixo para trás o que não me vale
o que não me bajula
e o que não dava para carregar escondido

Diga ao povo que lute
ao gado que chute
os portões do quartel

Tenho férias previstas
não cabem consorte, ativistas
na minha garupa

Digam ao povo que saio
sem ter que fingir desmaio
ao desagarrar-me da faixa

Vou-me embora contrariado
com preces não atendidas
e contas não pagas

De herança, deixo o balaio de g(f)atos
algumas cinzas que escaparam 
e o ranço vingativo da traição


São José dos Campos, 27 de dezembro de 2022

segunda-feira, janeiro 31, 2022

A queixa dos vermes neste 7º dia



Estoura hoje uma rebelião andada em curso

não provaremos dessa carne pútrida

que teus restos agora sem vida

encontrem outra maneira de voltar ao pó

 

Pergunta aos astros o caminho

sonda teus autores o método

implora preces aos seguidores

teoriza outra retórica de destruição

 

O canalha que foste em vida

o pulha que não te negaste ser

o charlatão da escritura peçonhenta

o sofista certificado por inépcia

 

Encontra agora uma receita

descobre outro conselho

de como definhar tuas carnes

na solidão do pós-vida

 

Não te serão úteis teus comparsas

não te acorrerão as gentes tolas

não te farão culto teus crentes

sequer te erguerão uma estátua de sal

 

Não provaremos tua carne chula

abandonada sob uns palmos de terra

só tua mentira acompanhará tua amargura

enquanto colhes teus frutos de guerra

quinta-feira, abril 22, 2021

Inspiração para escrever

Você já se perguntou: – O que vem antes do primeiro passo?

Minha resposta é: uma mistura de desejo, necessidade e saber andar. Talvez não nesta ordem, nem interagindo com a mesma intensidade. Contudo, os três elementos estão sempre juntos quando precisamos criar.

A palavra inspiração lembra uma realidade abstrata, uma emoção que move o artista, um impulso que fortalece o atleta, uma tenacidade que movimenta a criança que se diverte sozinha com os brinquedos em um mundo maior que a realidade.

A gente perde a inspiração. Ontem eu estava inspirado. Vou viajar para buscar inspiração. O que é que te inspirou a fazer este discurso? A inspiração tem um quê de glúon quântico: aparece e desaparece.

Para me inspirar a escrever, eu me pergunto por estas três partículas de criação:

– Quero mesmo escrever?
– Preciso escrever sobre isto?
– Sei escrever este assunto?

Não nesta ordem, nem com a mesma força, é assim que me inspiro.

terça-feira, abril 20, 2021

O logo Arte et Facto


 

Existir tem lá a sua medida

de arte e fazer

 

Já faz um tempo que havia pensado escrever sobre o logo Arte et Facto. Arte e fazer eram palavras dançando a música do pensamento meu na época que tive vontade de criar uma marca que pudesse acompanhar meu trabalho. O fazer arte e a conexão com a filosofia eram os critérios para delimitar o processo criativo no momento. Estava unindo gosto e formação acadêmica. E pra compensar um pouco mais o gosto, acabei escolhendo arte et facto em latim para descompor o termo artefato, sem me preocupar com definições etimológicas mais profundas. Tinha clareza que se tratava de dois modos de fazer, um de arte e outro o fazer propriamente dito.


Para a criação da imagem do logo, a escolha foi espelhar a letra phi minúscula do alfabeto grego, com a qual se escreve filosofia. A escolha do espelho foi motivada pela ideia do olhar que se debruça para ver o mundo. Olhar no espelho é deparar-se com o reflexo. Não é um si mesmo, mas já um outro inverso. Nosso olhar nos retorna um mundo que já passou por uma inversão. O reflexo converge, diverge, torce, distorce e contorce.


Para voltar arte et facto ao português, não sem uma inversão, fui encontrar o ablativo arte e, para facto, o dativo e o ablativo. Descompor artefato foi rápido. Lidar com a inversão não aconteceu do mesmo jeito. Optei pela versão “pela arte e pelo fato” assumindo a instrumentalidade do ablativo.

 

Estar no mundo e pensar o mundo,

pela arte e pelo fato. Um existir e um fazer.

Pela arte e pelo fato

o fato é o que se coloca diante de nós

a arte é o que elaboramos desta experiência

a doxa e a hipótese são frutos de individualidade

quando coincidem com outras, consensos de verdade,

o que dizemos que é, já é captado invertido pelos olhos

impõe a tarefa compreensão

o fato, o apreendemos assim torto, desviado,

a arte, é este labor de comunicação

o fato é um presente do universo das coisas,

desse cosmo-mundo que agarramos contra o tempo

a arte é um agradecimento,

nosso jeito humano de manifestar criação

 

o fato é o que se coloca diante de nós

a arte é o que elaboramos desta experiência

 

experiência é abrir os olhos, ver a extensão, cores e formas

experiência é abrir o nariz, respirar os cheiros, odores e prenúncios de sabores

experiência é abrir a boca, provar o gosto, degustar texturas e julgar combinações

experiência é abrir as mãos, tocar a pele das coisas, sentir o peso da matéria e transportar acidentes ônticos

experiência é abrir os ouvidos, escutar rebentos sonoros, apreciar timbres, fonemas e reconhecer o silêncio nas entrefalas

experiência é o que sobra, dos sentidos, no pensamento

é o que nos cobra a imaginação a cada momento que a consciência nos lembra estarmos vivos

quinta-feira, dezembro 31, 2020

Redundâncias desnegadas: este mesmo ano novo


 

É incrível e inacreditável

tudo o que se esconde debaixo das teclas do teclado.

Restos de uma comida,

manchas de outra bebida

e uns pedaços que eram de mim.

Eu nego!

Eles que façam DNA!

Lamentos de um ano viral,

da estupidez ignorante, burra, 

negacionista, antigotestamentacionista, 

doida para vomitar as pérolas ruminadas de seu (ex)intelecto 

na cabeça de um microfone, 

na cabeça de um jornalista, 

na cabeça de um eleitor, 

na cabeça de um membro do rebanho;

doida para rachar sua violência 

escondida nas ordens dadas 

e nascidas de uma autoridade 

que só busca o próprio bem.

Não, este ano não vai acabar.

A ciência continuará sua busca, dúvida atrás de dúvida.

A indústria farmacêutica... não vou falar dela hoje.

Os bancos seguirão lucrando, em dólar, em euro, centavo por centavo.

O trabalhador contribuinte permanecerá trabalhando e contribuindo, 

sem pausa para metáforas, 

anestesiado por eufemismos, 

na luta frenética e interminável 

por figuras de saúde, educação, segurança, pão e paz.

Os três poderes teimarão nos poderes, 

tampando com a peneira rota 

as brechas do sistema, 

das leis, 

das medidas permanentemente provisórias, 

da aristocracia disfarçada demo(sem)cracia.

Nossas vozes insistirão nos versos, 

nos panelaços, 

nas teses, 

nos enfrentamentos, 

no de(a)bate, 

nas postagens.

As vidas que se foram, sabemos bem, não voltarão.

E como nos fazem falta!

O negro, a mulher, 

as tantas outras orientações sexuais, 

políticas, religiosas, culturais, 

as inúmeras minorias das que, 

vez ou outra, todos fazemos parte, 

vamos insistir gritando para respirar e viver!

Feliz este ano que, todos os dias, 

queremos novo!


São José dos Campos, 31 de dezembro 2020

Cada guerra

Cada guerra consigo enterra uma lógica de funcionamento Com a arma mais potente vem a verdade mais forte Cada morte é uma moeda com dois lad...